terça-feira, 15 de julho de 2008

Carta de um Advogado Estagiário de Coimbra ao Bastonário da OA

«Exmo. Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados
Mui Ilustre e Distinto Advogado
Senhor Dr. António Marinho e Pinto

Rodrigues Morais, Advogado estagiário, com a cédula profissional n.º 28773C, inscrito no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, vem muito respeitosamente protestar perante V. Ex.ª, pelas palavras que o Senhor Bastonário escreveu e publicitou no site da Ordem dos Advogados e que, no entender do signatário, com o devido respeito, são ofensivas à dignidade e à honra daqueles que, apesar das muitas adversidades que se lhes deparam num estágio repleto de espinhos, dão o seu melhor e oferecem o seu saber a todos os que deles precisam, ricos ou pobres, cristãos ou ateus, inocentes ou culpados...

Senhor Bastonário, com todo o respeito que V. Ex.ª me merece, não só como Bastonário, entidade suprema que representa a Ordem dos Advogados perante as mais altas instâncias, mas também como ilustre causídico, conceituado no meio jurídico e fora dele, permitame que o informe do quanto lamento que tivesse assumido o compromisso de não permitir, no âmbito de acesso ao direito e aos tribunais, a intervenção isolada ou autónoma dos Advogados Estagiários.
Tal conduta, com o devido respeito, na minha humilde opinião e no estrito cumprimento das normas deontológicas que me propus cumprir e respeitar, pareceme admissível na lavra de um político menos informado dos meandros da justiça e dos tribunais mas, a contrario, entendo que a mesma já não é admissível na pessoa de V. Ex.ª.
Saiba o senhor Bastonário, que tal atitude, no futuro, irá conduzir a que a maioria dos estagiários termine o estágio, com aproveitamento, mas sem nunca ter tido qualquer intervenção em tribunal.

Como é por demais sabido, as oficiosas são para muitos dos estagiários a única via de autonomamente acederem ao tribunal e poderem por em prática a teoria que a Ordem, com todo o mérito daqueles que lá ensinam, lhes tenta transmitir.
Com uma licenciatura de cinco anos, pouco mais de um ano de estágio, e algumas presenças em tribunal, nunca me apercebi que a formação dos Advogados estagiários seja feita à custa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos economicamente mais frágeis, ou seja, e citando de novo V. Ex.ª “daqueles que não possuem recursos para contratar directamente um Advogado”. Bem pelo contrário, Senhor Bastonário, o que no diaadia dos tribunais V. Ex.ª pode observar, se assim o desejar, é estagiários a defender com honra, brio e decoro, pessoas sem posses económicas e tratálas com o mesmo respeito que é dado aos clientes patrocinados por “honoráveis” advogados da nossa Ordem. Sim, Senhor Bastonário, neste momento os estagiários ainda podem dizer com orgulho “a nossa Ordem”, no futuro, “o futuro a Deus pertence”. “O apoio judiciário não deverá ser usado para financiar a formação, muito menos para subsidiar os formandos”, tem todo o meu apoio neste aspecto Senhor Bastonário, a formação devia ser financiada de outra forma, já que essa nem chega para pagar a toga. Como V. Ex.ª sabe, neste momento, o estágio de advogados deve ser o único no país que, além de ter uma duração extremamente longa e psicologicamente desgastante, na prática são cerca de 30 (trinta) meses, acresce ainda o facto de em todo este tempo não se receber nada pelo trabalho, pouco ou muito, que os estagiários realizam, por vezes até altas horas da noite. Prazo excessivo, Senhor Bastonário, só justificável, na minha pobre opinião, como forma de retardar a entrada de novos advogados na profissão, ou então por outras razões que não interessa aqui explanar.
O não subsídio dos formandos, futuramente, e por certo, conduzirá a que só apenas os licenciados em Direito, filhos de uma elite abastada e com posses, poderá aceder ao estágio de advocacia dado que, como já foi referido, o exagerado tempo de duração e a impossibilidade de um estagiário se manter trinta meses a trabalhar sem obter qualquer remuneração pecuniária, afastará da Ordem, não os menos bons, mas aqueles que tiveram o azar de não nascer num berço de ouro.

Com o devido respeito, e sem me querer apoderar das mesmas, faço minhas as palavras de um dedicado e competente formador da Ordem, que dizia: “um Senhor Advogado que ao fim de 10 anos ainda precisa de oficiosas, é melhor que mude de profissão porque o mesmo não tem as capacidades mínimas exigidas para o exercício da nobre arte da advocacia”.

Quanto à frase, “Já há casos de cidadãos que foram condenados a penas de prisão efectiva e que foram defendidos por Advogados Estagiários que acabaram reprovados no final do estágio, tendo alguns desistido mesmo de ser Advogados e seguido outras profissões”, por V. Ex.ª proferida, merece da minha parte, com todo o respeito, uma forte discordância. Apesar de a ler, reler e analisar com cuidado e ponderação todo o seu conteúdo, em nenhum momento consigo descortinar que haja qualquer causa efeito na condenação, ou seja, que os motivos que levaram os “cidadãos” a cumprir pena de prisão efectiva, fossem uma má defesa da parte do senhor Advogado Estagiário.

Como V. Ex.ª sabe, o Senhor Advogado Estagiário em causa podia muito bem ter feito uma boa defesa e não estar em condições de passar nas provas de avaliação e agregação, ou ter uma óptima nota nas provas e não ter qualquer apetência para a nobre arte da advocacia. Acrescento ainda, senhor Bastonário, que a pouca experiência que tenho dos tribunais fezme ver, contrariamente ao que muitas vezes se veicula na comunicação social pelos arautos da desgraça, que os Senhores Juízes não estão de modo algum desatentos ao que se passa em sede de discussão e julgamento, e se por estes for entendido que o Senhor Advogado não está a fazer uma boa defesa, eles próprios se encarregam de inquirir e esclarecer as questões dúbias da causa.
Informo também V. Ex.ª que, nas minhas intervenções em tribunal, sempre fui tratado, pelos Senhores Juízes, com o maior respeito e cortesia não subscrevendo de forma alguma as críticas que por vezes se fazem, erradamente e sabe Deus com que intenção, à magistratura judicial. Pudessem os estagiários, neste momento, dizer o mesmo de quem tem o dever institucional de os defender e respeitar.

Senhor Bastonário, apesar do muito que haveria para escrever, por entender que a missiva já vai longa e V. Ex.ª ter outras coisas bem mais importantes com que ocupar o seu precioso tempo, termino, não sem antes aproveitar esta oportunidade para lhe desejar os maiores êxitos e sucessos no elevado cargo em que foi investido e, respeitosamente, relembrarlhe que os estagiários de hoje serão os advogados do amanhã, a deontologia prática que agora lhes for ministrada será a ética que no futuro conduzirá as suas acções.

Com os meus melhores cumprimentos, Subscrevo-me, De V. Ex.ª atentamente.»

PUBLICADO NO SITE DO C.D.COIMBRA DA ORDEM DOS ADVOGADOS

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